Entre em contato

email: alexandre65@gmail.com
msn: alexandre65@gmail.com
www.twitter.com\alexandregalves

Tá difícilde achar? Não encontrou? Pesquise aqui!

Pesquisa personalizada

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

“ Tupi or not Tupi ” - Texto de Ubirajara A. A. Cernicchiaro

“ Tupi or not Tupi ” [1]

- Magnata del petróleo?
- Sí, pero no mucho, compañero!


A euforia do início do mês de novembro com a revelação da grande descoberta da jazida do campo de Tupi demonstrou mais uma vez a capacidade da Petrobrás, não só da sua renomada competência técnica, mas também política, ao sacar da manga do paletó a grande notícia, abafando assim o noticiário sobre a falta de gás natural veicular (GNV) com o qual a situação da companhia já começava a ficar constrangedora. A decisão do Operador Nacional Elétrico (sic) de colocar em operação as termoelétricas criadas no governo FHC e inoperantes até o momento, obrigando a Petrobrás a remanejar a distribuição das cotas de gás natural, revela mais uma vez o verdadeiro descalabro que é a falta de planejamento da política energética brasileira, notadamente a questão do gás natural. Mas, a análise da questão do gás deve ser objeto de um outro texto. Hoje, queremos tratar aqui da fantástica jazida de Tupi.
Tão logo a esfuziante notícia foi publicada, contivemos um pouco o nosso ufanismo e fomos pesquisar o histórico da descoberta do campo de Tupi nos sítios da Petrobrás e da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Descobrimos que se trata do bloco BM-S-11 da Bacia de Santos, leiloado na Segunda Rodada de Licitações da ANP, realizada no ano 2000. Para nossa surpresa e decepção (no anúncio parecia que a descoberta era da Petrobrás sozinha), descobrimos que o bloco foi arrematado por “30 dinheiros” (a bagatela de cerca de R$ 15 milhões) por um consórcio liderado pela Petrobrás como operadora, com a seguinte constituição: Petrobrás – 65%; British Gás Energy (BG) – 25% e Petróleo de Portugal (Petrogal) – 10%. Fica constatada mais uma vez a natureza do nosso capitalismo dependente, mostrando que as velhas metrópoles coloniais de Lisboa e Londres continuam transferindo as nossas riquezas (pelo menos parte delas), apesar de terem perdido há muito tempo a hegemonia da rapinagem para o Tio Sam.
Já em 1998, o inesquecível jornalista econômico Aloísio Biondi, a partir de análise da então recém-criada Lei 9478/97, a qual regulamentou a flexibilização do monopólio estatal do petróleo com o objetivo de atender o capital internacional, demonstrava o mega assalto que se preparava contra a nação brasileira com a implantação dos leilões das nossas áreas de petróleo.[2] Hoje, no caso de Tupi, façamos um pequeno exercício aritmético com base nos mesmos critérios adotados por Aloísio Biondi. As estimativas dão conta de que Tupi poderá produzir até 8 bilhões de barris de petróleo. Numa estimativa mais conservadora e considerando o investimento de vários bilhões de dólares no desenvolvimento do campo durante alguns anos até o início da produção, partiremos dos 7 bilhões de barris com o preço internacional do barril na casa dos 100 doláres (que já está bem próximo). Então, vejamos:

7 bilhões de barris x 100 = 700 bilhões de dólares
Petrobrás: 65% de 700 = 455 bilhões de dólares
British Gás Energy: 25% = 175 bilhões de dólares
Petrogal: 10% = 70 bilhões de dólares
Total da sangria (BG + Petrogal) = 245 bilhões de dólares.

Nem é necessário calcular, mas certamente estes 245 bilhões de dólares seriam suficientes para atender muitas demandas dos PAC’s da saúde pública, da educação pública e de qualidade, do saneamento básico, etc. Enfim, políticas públicas que venham a reduzir a permanente reprodução da desigualdade social gritante do país. Vale lembrar, que o BM-S-11 é apenas um bloco entre centenas já leiloados nas oito (a de 2006 foi suspensa por liminar) rodadas de licitações promovidas pela ANP, sob a autorização do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). É verdade que a Petrobrás arrematou a maioria deles, boa parte em consórcios como o de Tupi, muitas vezes até com menor participação. Mas é igualmente verdadeiro que as transnacionais arremataram também centenas de blocos sozinhas ou em parcerias. Então, o exemplo de Tupi poderá ser uma pequena gota de um mar de riquezas a ser esgotado pela sanha energética das companhias dos países de capitalismo avançado. Biondi tinha razão quando anunciou o mega assalto em gestação. A médio e longo prazos poderão escorrer pelas venas abiertas do Brasil trilhões e trilhões de dólares.
Apesar da promissora perspectiva da descoberta da nova província petrolífera, ainda assim o CNPE manteve a Nona Rodada de Licitações, realizada dias 27 e 28/11/2007. Dos 342 blocos previstos anteriormente para o leilão, o CNPE retirou 41, similares ao de Tupi, com possibilidades de jazidas petrolíferas na camada “pré-sal”, considerando-os de interesse nacional, como se os demais não fossem (afinal, dos 14 bilhões de barris de petróleo que constituem as reservas brasileiras provadas até o recém achado de Tupi, todos foram encontrados em outras camadas geológicas diferentes da “pré-sal”). Enfim, a ANP licitou 271 blocos, dos quais 117 blocos foram arrematados, sendo que, estranhamente, desta vez a Petrobrás sozinha ou em parcerias adquiriu apenas 27 blocos, numa proporção bem menor do que em outras rodadas anteriores. Num primeiro olhar, parece que a Petrobrás não demonstrou grande interesse em vencer as concorrentes. Embora, para fazer esta afirmação, seja necessária uma avaliação mais profunda e detalhada em que se considere não só o número de blocos adquiridos, mas também o potencial de produção dos lotes conquistados.
Embora a resolução do CNPE de retirar os 41 blocos avaliados como mais promissores, às vésperas da Nona Rodada, possa ser considerada como uma possível e alentadora mudança de posição em relação ao futuro de nossas reservas, a decisão de manter o leilão ainda é reveladora de vários equívocos das nossas autoridades do setor energético. Depois de conquistada a auto-suficiência é necessário explorar as nossas reservas com parcimônia para garantir um desenvolvimento sustentável para as próximas décadas, enquanto o petróleo ainda for a principal matriz enérgica mundial. Parece que a idéia de exportar, o sonho de participar da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) seduz os componentes do CNPE. Ledo engano. Característica típica de país de capitalismo dependente, mero produtor e exportador de matéria-prima. A nossa história está eivada de exemplos de dependência econômica, própria dos países periféricos. No princípio foi o pau-brasil e o açúcar, depois o ouro e o café. No momento é o minério de ferro e a soja. Em seguida, será o álcool e o petróleo. Além do que exportar o petróleo pelo preço justo seria uma prática normal. Mas o que se passa aqui com os leilões são concessões por preços simbólicos de grandes áreas de nosso subsolo na terra e no mar para serem exploradas durante 33 anos até a exaustão das jazidas. Literalmente, as multinacionais devolverão apenas os buracos. Ficou muito clara também, a falta de ousadia do CNPE, preocupado em não romper com o sistema e em agradar o mercado internacional. Ou seja, manter a imagem do Brasil como um país aberto e integrado ao capitalismo mundializado, naturalizado na sua condição de país da periferia na ordem econômica determinada pelo Império.
A descoberta de Tupi criou um quadro político interno propício para o Governo Federal não só cancelar este leilão, como também para rever todo o marco regulatório do setor petróleo no país. Assim agora é a hora da revogação da Lei 9478/97, da extinção da ANP, da reintegração da Transpetro e da parcela privatizada da Refap à Petrobrás, da retomada por parte da União das ações da Petrobrás na Bolsa de New York, da revisão da forma de remuneração e dos prazos das concessões já efetuadas, e, claro, de cancelar imediatamente e de forma definitiva qualquer possibilidade de futuros leilões.
Porém, para além, somente o avanço da participação popular e a atuação dos movimentos sociais poderá alterar o quadro cruel de desigualdade social promovido pela democracia liberal burguesa. O velho Marx já dizia há mais de 150 anos que “o Estado é o comitê organizador dos negócios da burguesia”. Infelizmente, ele continua coberto de razão. Prova maior disso, são a atual legislação do petróleo, o papel da ANP e as decisões do CNPE. Dessa forma, uma futura e utópica democracia popular terá que rever, inclusive, o conceito de Estado-nação. Mas, enquanto a transformação não ocorrer, vamos bradar: “Tupi or not Tupi”! Eis a questão, companheiro!


Ubirajara A. A. Cernicchiaro


[1] ANDRADE, Oswald - Manifesto Antropafágico, 1928. Expoente do modernismo brasileiro Oswald cunhou a expressão “Tupi or not tupi” parodiando a famosa frase do personagem Hamlet de Shakeaspeare: “To be or not to be, that is the question” ( Ser ou não ser, eis a questão). Naturalmente, enaltece a brasilidade, atitude típica da fase modernista da literatura e das artes brasileiras.
[2] BIONDI, Aloísio – O mega-mega assalto à nação brasileira (CONFIRMAR TÍTULO, DATA, EDITÔRA). Esta publicação foi patrocinada pela FUP e pelos sindicatos petroleiros.