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quinta-feira, 6 de setembro de 2007
As Palavras Andantes
Na alienação da Vale, a parte lesada foi o povo brasileiro,
AO ENTREGAR em 1997 o controle da Companhia Vale do Rio Doce ao capital privado por um preço quase 30 vezes abaixo do valor patrimonial da empresa e sem apresentar nenhuma justificativa de interesse público, o governo federal cometeu uma grossa ilegalidade e um clamoroso desmando político. Em direito privado, são anuláveis por lesão os contratos em que uma das partes, sob premente necessidade ou por inexperiência, obriga-se a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta (Código Civil, art. 157). A hipótese pode até configurar o crime de usura real, quando essa desproporção de valores dá a um dos contratantes lucro patrimonial "que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida" (lei nº 1.521, de 1951, art. 4º, b). A lei penal acrescenta que são co-autores do crime "os procuradores, mandatários ou mediadores que intervieram na operação".
Ora, em direito público os órgãos do Estado jamais podem ser equiparados a um proprietário privado. Este, segundo a mais longeva tradição, tem o direito de usar, fruir e dispor dos bens que lhe pertencem, sem ser obrigado a prestar contas de seus atos a ninguém. O Estado, ao contrário, é mero gestor dos bens públicos, em nome do povo.
Mas o povo brasileiro não vai aguardar, passivamente, que os seus mal intitulados representantes se decidam a cumprir o dever de legislar em benefício do país ou que o Judiciário julgue, com dez anos de atraso, as 103 ações populares intentadas contra o fraudulento negócio.
Nesta Semana da Pátria realiza-se, em todo o território nacional, por iniciativa dos movimentos populares, um plebiscito para que o povo possa, enfim, dizer não a esse crime de lesa-pátria.
Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB. É autor, entre outras obras, de
"Ética - Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno".
Folha de São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0209200709.htm
Marcadores: FHC, plebiscito, Vale
Pleno emprego é possível com a redução da jornada
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economistas oficiais dizem que se aumentam os salários vão diminuir os lucros, benefícios e investimentos. Por isso, a redução da jornada não seria uma boa política.
Vão aumentar os salários e diminuir os investimentos, é o que dizem, argumentando que este movimento, esta transferência de renda do capital para o trabalho teria como resultado uma perda de competitividade. Que os produtos e os preços vão aumentar, os custos seriam muito altos e que um país implementando essa política pensando criar empregos na realidade estaria destruindo empregos. Então, a redução da jornada seria uma política absurda.
E o argumento contrário a essas duas argumentações é o seguinte: a renda não está dividida em duas partes, salário por um lado e lucros (que se transformariam em investimentos) do outro. Divide-se em três, estas duas e uma terceira: os lucros financeiros. Ou seja, trata-se de uma parte do lucro que não se destina a investimento, mas que se distribui em camadas sociais que possuem ações e coisas assim.
Pergunta - Seriam os rendimentos exclusivamente financeiros?
Michel Husson - Sim. Há uma primeira separação na renda total. Lucros e salários. Mas, existem duas utilizações do lucro: uma são os investimentos e a outra é a renda financeira, a renda dos acionistas, por exemplo. O que queremos fazer, mais ou menos, é aumentar os salários sem mexer na parte dos lucros destinadas aos investimentos, mas sacrificando uma parte da renda financeira.
Assim, não haverá perda de investimentos e nem perda de competitividade. As empresas terão que pagar mais salários, mas menos juros e dividendos, que se paga aos acionistas. E isto é coerente com a análise que diz que a distribuição dos ganhos de produtividade não beneficiou os assalariados, mas foram a fonte do desenvolvimento dos ingressos financeiros. Ou seja, se consideramos a evolução na Europa, os investimentos como proporção do PIB, ficam mais ou menos igual, a parte que cabe aos salários diminui e o que aumenta são os ingressos financeiros.
A forma de aumentar os ingressos financeiros foi não reduzir o tempo de trabalho e não redistribuir os lucros de produtividade em benefício dos assalariados através da redução do tempo de trabalho. O discurso da redução da jornada é um discurso coerente e o que se propõe é uma saída para o desemprego. É coerente com a análise que se tem do desenvolvimento do desemprego nos anos anteriores.
Pergunta - A redução da jornada favorece ou dificulta o crescimento da economia?
Michel Husson - Há duas idéias que se desenvolveram nos movimentos sociais. A primeira idéia é o que se poderia chamar de autofinanciamento da redução do tempo de trabalho. Ou seja, com a diminuição do desemprego desaparecem uma parte dos custos decorrentes do desemprego, não? Bom, há custos morais, digamos, a violência e há também custos que são perda de atividade, perda de cotizações à previdência social, sendo que a criação de empregos aumenta os ingressos de previdência, etc. E neste último período na Europa nós vimos isso, porque houve um crescimento do emprego, com uma certa recuperação. E automaticamente o orçamento público foi mais equilibrado, balanceado e os problemas de financiamento do "seguro-social" desapareceram quase totalmente neste período.
Então a idéia de autofinanciamento não é total, mas é parcial, uma parte do custo da redução do tempo de trabalho se compensa pela criação de mais empregos. Esta é a primeira idéia.
E a segunda idéia é que há uma grande diferença na redistribuição dos ganhos de produtividade entre os ingressos financeiros e os salários, já que os salários são consumidos praticamente 100%, enquanto que os ingressos financeiros se reinvestem na esfera financeira. Ou seja, cada transferência de ingressos financeiros para os salários contém uma melhor dinâmica da demanda, do consumo e do crescimento.
E realmente vimos estes fenômenos na recente conjuntura na França de recuperação da economia. Por exemplo, havia uma idéia absurda, diziam que os consumidores franceses não tinham confiança, tinham problemas psicológicos e não queriam consumir. E bruscamente, o consumo aumentou rapidamente. Não por uma nova confiança, simplesmente porque os ingressos aumentaram. É uma visão mais materialista que a confiança.
A idéia é a seguinte: quando há incerteza sobre o que vai acontecer, as pessoas poupam por precaução. Então não consomem tudo e poupam um pouco.
E quando tem confiança consomem mais. Este fenômeno existe, mas é muito secundário em relação com o fenômeno de mais salários, mais consumo, mais emprego. Há um círculo virtuoso.
Pergunta - Você acha que o aumento do consumo que se verifica hoje na França pode ser atribuído ao aumento salarial decorrente da redução de jornada?
Michel Husson - Sim.
Pergunta - O desemprego cria uma situação social tão explosiva que os governos ao se depararem com o problema procuram uma política compensatória. Uma delas é a chamada renda mínima. Você faz a contraposição entre renda mínima e pleno emprego. Explique suas idéias a este respeito.
Michel Husson - Bom, a idéia é que se há gente vivendo em péssimas condições é preciso encontrar uma saída urgente, não se pode esperar o sucesso da redução do tempo de trabalho, é preciso solucionar, contribuir de alguma forma para isto. Não propomos a redução do tempo de trabalho em contraposição ao que se chama renda mínima. Mas não aceitamos este mínimo social como a única solução. Como se o pleno emprego fosse impossível. Aqui pode acontecer uma certa oposição entre as pessoas que pensam que o pleno emprego é impossível e que a única possibilidade é resistir, compensar com os que não têm emprego.
Pergunta - Aceitar o desemprego como uma fatalidade?
Michel Husson - Sim. Mas isso também mudou. Na metade dos anos 90 o que era dominante na França eram as teses sobre o fim do trabalho. E pouco a pouco, com a recuperação o tema do pleno emprego reapareceu como um objetivo possível da política econômica. Houve uma mudança e agora o pleno emprego não é como era considerado faz alguns anos uma ilusão, uma utopia impossível. Isso tem a ver com a lição concreta da redução de tempo de trabalho. Desde 1997 até 2001 na França houve a criação de 1.600.000 novos empregos. Nunca na história da França houve tanta geração de emprego. Grande parte deste resultado pode ser atribuído à redução de tempo de trabalho.
Pergunta - Mas há alguma pesquisa que indique pelo menos qual o percentual que se pode atribuir à redução de jornada para 35 horas, dentro desse universo de 1.600.000 novos empregos?
Michel Husson - A estimativa que eu fiz do trabalho é que 500.000 desses novos postos de trabalho estão relacionados às 35 horas. Teoricamente na França uma redução de 10% no tempo de trabalho significa proporcionalmente 1.500.000 empregos, 10% sobre 15 milhões de pessoas no setor privado. Então minha idéia é de que destes 1.500.000 houve 500.000 empregos perdidos pela não generalização das 35 horas. São as pequenas empresas. A lei não se aplica às pequenas empresas até o começo deste ano ou talvez jamais. Depois há 500.000 empregos perdidos pela intensificação do trabalho, ou seja, flexibilidade, compensação, reorganização a nível anual, etc., e finalmente 500.000 das 35 horas. Então, se queremos continuar em movimento é preciso lutar contra a intensificação do trabalho e é preciso estender a toda esfera produtiva as 35 horas.
Pergunta - A redução do tempo de trabalho na sociedade está associada às novas tecnologias e ao avanço da produtividade?
Michel Husson - Sem dúvidas e o problema não é discutir se há ou não há redução de trabalho, de toda forma o crescimento da produtividade do trabalho provoca uma redução do tempo de trabalho no processo de produção. E o desemprego é uma forma de redução do tempo de trabalho, é uma forma de não-trabalho. A pergunta não é se vai ou não reduzir e sim como se distribui essa redução. De uma forma igualitária para todos ou de uma forma discriminatória que vai decidir os que têm direito a trabalhar e os que têm direito a ser mendigos. Que vão mendigar para ingressos complementares, por uma pequena redistribuição de renda. É uma escolha mais social e política do que econômica. A economia não pode decidir, a escolha, a eleição entre estes dois tipos de solução é política. Aí é que entra o problema das relações de produção capitalista. Uma distribuição racional, digamos, do ponto de vista do emprego e até do ponto de vista das repercussões econômicas do tempo de trabalho não parece possível numa sociedade capitalista. Esse parece ser o problema central.
Em termos gerais é difícil dizer de forma absoluta que o pleno emprego é totalmente compatível com qualquer forma de capitalismo. Porque sempre se pode imaginar um capitalismo mais regrado, mais regulado ou controlado, mas na realidade de hoje é difícil imaginar. É por isso que na Europa, a luta pela redução do tempo de trabalho tem uma dimensão anticapitalista mais evidente. Ou seja, para obter uma boa redução do tempo de trabalho é preciso fazer incursões no direito da propriedade capitalista, especialmente o direito na gestão e controle do emprego. Talvez as pressões anticapitalistas tenham como resultado uma adaptação do capitalismo. Nunca se pode negar totalmente a capacidade de adaptação do capitalismo ás resistências. Na Europa tivemos, nos anos 60, um capitalismo bem diferente do capitalismo que estamos vivendo hoje.
Pergunta - Duas fases contrastantes?
Michel Husson - Sim. E aqui há um efeito de geração. A geração de antes tem uma representação do que pode ser a sociedade muito diferente daquela que tem a juventude, que sempre conviveu com o desemprego e salários congelados. É uma corrida contra o tempo poder passar essa legitimidade da previdência social, do pleno emprego a uma geração que na sua grande maioria não conheceu isso. E por isso falar de capitalismo, a globalização neoliberal é uma forma de funcionamento do sistema mais selvagem que antes
Marcadores: reduçao da jornada de trabalho, sindicato